AGENDA CULTURAL

3.12.10

POESIA EXPANDIDA

Heloísa Buarque de Hollanda
Heloísa Buarque de Hollanda 


Este artigo joga luz na matéria “Blogueiros na Academia Araçatubense de Letras”


Heloísa Buarquwe de Hollanda é profesora da Escola de Comunicação da Universodade Federal do Rio de lJaneiro (UFRJ), coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Fórum de Ciência e Cuiltura / UFRJ), diretora do Instituto Projetos e Pesquisa e da Aeroplano Eitora, bem como curadora do Portal Literal – www.literal.com.br




É difícil falar de poesia hoje com certo conforto ou melhor, com precisão e acuidade. Como nunca, hoje, a poesia parece inquieta. insatisfeita com o desenho de seu forrnaLo tradicional. Culpa da internet? Talvez, mas não necessariamente.


A evidência é de que já há algum tempo as fronteiras não só entre os gêneros literários mas também os saberes começam a desafiar os imites e padrâes que lhes foram historicamente impostos. Nessa linha de raciocínio, não é de hoje que podemos perceber um forte impulso de expansão da palavra literária. Mallarmé, Guimarães Rosa, Cortázar. Joyce, Borges e outros autores são provas contundentes dessa evidência.


Portanto. ao contrário do que possa parecer, a Internet, por si só, não é responsável pelo turbilhão de mudanças que se anuncia nas áreas do livro e da leitura. Tudo indica que, na realidade, essa transtorrnaçâo responde a uma demanda latente de experimentação de fronteiras e procedimentos.


O que parece ter sido o real papel da Internet e das mídias digitais para a atual ampliação da criação poética é a formalização das possibiiidades de intensificação da interatividade e, sobretudo, do horizonte experimental que a convergência de plataforrnas e mídias permite a partir da estrutura múltipla da Web.


Essas novas variáveis, trazidas pelo ambiente www consolidam o atual processo de explosão da palavra em todas as suas formas, dicçôes, gramáticas, sintaxes.


Nesse quadro, a palavra avança segura, interagirindo com novas linguagens e interlocutores e logo se expande em diferentes práticas literárias, remixando linguagens, gêneros e suportes. É a palavra rimada, a poesia na prosa, na dicção cotidiana, a prosa na música, a qualidade indiscutível das novelas gráficas, a palavra agilizada no dialeto dos blogs, orkuts, e-mails, palavra pirateada, hackeada, explorando as novas possibilidades tecnológicas dos iPods e podcasts, buscando a expressão visual, as formas dramatizadas, trabalhando fronteiras imprecisas. expandindo seu potencial de arte púbiica. Apontando no horizonte, podemos ver ainda os primeiros sinais de uma nova literatura transmídia.


Por todos os vieses, torna-se mais ou menos evidente que a poesia não mais se confina ao formato tradicional do que se convencionou chamar de poesia. Um rápido exame da produção poética atual vai verificar que todos os novos poetas têm seus blogs como mesa de trabalho. É o caso dos nomes mais reconhecidos da novíssima poesia brasileira, como Bruna Beber, autora de A fila sem fim dos demônios descontentes (Editora 7Letras) e Balé (Editora Língua Geral), que cuida dos blogs Bife Sujo e Cutelaria, colabora com o Metroblogging Rio, edita a revista Bala com mais dois amigos e mantém o blog http://www.didimocolizemos.wordpress.com. Alice Sant’Anna estreou com Dobradura no www.adobradura.blogspot.com, antes de ser publicado pela Editora 7Letras; lsmar Tirelli Neto lançou seu primeiro livro, Synchronoscopio, também pela Editora 7Letras, a partir do blog http://www.sonetosoitavaserie.blogspot.com; ou Ramon MeIo, autor de Vinis mofados e dos blogs http://www.sorrisodogatodealice.blogspot.com e http://www.clickinversos.myblog.com.br. Outros, como Omar Salomão, autor de À deriva (Editora Dantes), não têm blog. mas, como quase todos os seus colegas de geração, coloca seus poemas em vídeo no YouTube. Isso para citar apenas alguns dos poetas que estão se destacando no panorama literário atual.


É também importante referir poetas ainda inéditos dos mais diversos pontos do país, que já se tornam conhecido na rede, como Arruda, poeta paulistano que divulga seu trabalho no site www.saudadedopapel.zip.net , Artur Rogério, pernambucano que escreve poemas, romances e contos disponíveis na página http://www.vozesdantartica.blogspot.com, Marcelo Sahea, poeta gaúcho que trabalha com vídeo e animação na página www.poesilha.blogspot.com. ou Zema Ribeiro, poeta maranhense residente no endereço www.zemaribeiro.blogspot.com.


O espaço aberto pela Web para esses jovens criadores, além do campo experimental que disponibiliza, apresenta um efeito colateral nada desprezível. Penso na formação de críticos informais que passam a responder, comentar e interagir com o trabalho desses criadores e também um fenômeno há muito desaparecido que é a vida literária, ou seja, um movimento de reações, comportamentos, respostas e debates em torno da literatura, que aponta claramente para a formação de um público ativo de autores e leitores.


É importante ainda observar que a literatura marginal, novo movimento literário das periferias e comunidades de baixa renda, que veio para ficar e que está surpreendendo por sua força e criatividade no campo da produção literária do país, também usa amplamente os recursos da lnternet, disseminando essa produção com um vigor inédito, como se pode verificar, por exemplo, pela vitalidade dos blogs www.ferrez.blogspot.com. de Ferréz, autor de Capão pecado, Manual prático do ódio e do livro de poesias Fortaleza da desilusão, além de outros romances, livros infantis, HQs etc.; http://www.otaboanense.com.br/canal/4/s%EF%BF%BDrgio-vaz/, de Sérgio Vaz, poeta, criador da Cooperifa e autor, entre outros, do conhecido livro de poemas O colecionador de pedras; ou http://www.suburbanoconvicto.blogger.com.br, de Alessandro Buzo, autor de Guerreira e o trem — contestando a versão oficial e que mantém a livraria/centro cultural Suburbano Convicto.
Ainda é cedo para fazer previsões confiáveis sobre o futuro dos poetas, da poesia e das novas vozes que vêm das periferias. Mas também é impossível negar que a literatura promete acontecer neste século XXI, chamado, de forma sintomática por Umberto Eco de o Século da Palavra.


(Artigo da revista PALAVRA, Sesc, junho de 2010.)

4 comentários:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Culpa da internet...talvez.
E antes dela também não foi assim, nova linguagem, novos estilos como resultado da transformação e evolução do ser humano? A internet,ao meu ver, é o meio de hoje em dia como a Remington foi de ontem. E é bom que seja assim..se be, entendi o texto.

Cecilia Ferreira disse...

É importante, para a juventude física e mental do ser humano de outra geração, estar aberto aos novos rumos das Letras que, atualmente, demonstram prescindir, não do seu papel, mas do papel celulose.
A escrita está cada vez mais acessível, o que não significa que escritores de gênio não se encontrem nessas camadas!
Sou pela atualização de todas as mentes, portanto pela inclusão, no espaço Acadêmico, de todos os "bons" autores de todas as mídias que possam ser escritas.
Sou também pela ampliação do quadro de integrantes da AAL. Araçatuba cresce, o mundo evolui, por que não a AAL?
Abraço a todos.

Cecilia Ferreira disse...

A evolução não se barra. Você pode ficar para trás e ser levado pelas águas do dique que rompeu, ou subir num barquinho improvisado e remar no sentido da maré para tentar estar no topo da marola dianteira. Esperneie quem espernear, afogue quem se afogar, nada mudará diante do ímpeto dos adventos humanos impostos pelo mundo, ontem, hoje, em qualquer tempo.
Ou a AAL se ajusta, ou se mumifica submersa no lodo de suas vaidades.
Abraço a todos.

Zemarcos Taveira disse...

::: O texto vem de encontro ao que discutimos em outro post aqui no blog. A AAL precisa se abrir para a modernidade, para as várias faces da escrita. Não pode ficar fechada a um grupo e ainda usar a palavra "araçatubense". Se usa é porque, teoricamente, deveria estar aberta aos araçatubenses e ao que pensam. Escritor é escritor em qualquer mídia. Fico muito feliz que há acadêmicos que têm essa visão de modernidade, como a Cecília. Esta é uma discussão saudável e que pode render bons frutos.