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14.9.14

Cacá Diegues: "Não faço questão de um lugar à janela"

30/08/2014 04h00 - ATUALIZADA EM: 01/09/2014 16h59 - POR VALMIR MORATELLI; FOTOS DE FÁBIO CORDEIRO/REVISTA QUEM 

Uma das principais vozes do cinema nacional, ele lança autobiografia na qual passa a limpo seus 74 anos. O diretor fala a QUEM sobre seu lugar na história, recorda o período em que foi exilado em Paris e revela quem é, em sua opinião, o melhor cineasta da atualidade


Editora Globo (Foto: Editora Globo)
Toda vez que Cacá Diegues quer se aprofundar num assunto, ele tira os óculos e os traz para perto da boca. Só os recoloca quando já está imerso na linha do tempo que o faz viajar por suas memórias. O diretor de Xica da Silva (1976), Bye Bye Brasil (1979) e Deus É Brasileiro(2003), entre outros grandes sucessos do cinema nacional, fala a QUEM no mês em que lança sua autobiografia, Vida de Cinema – Antes, Durante e Depois do Cinema Novo (Objetiva).
Cacá tem quatro filhos, sendo dois de seu casamento com Nara Leão, e três netos. Desde 1981 é casado com a produtora de cinema Renata Magalhães. Aos 74 anos, o diretor alagoano recorda o período do Cinema Novo, quando, ao lado de Glauber Rocha, reinventou a forma de se filmar no país. “Aquele período foi uma bênção que o destino me deu para eu começar minha vida”, diz ele, que, em dezembro, começa a rodar O Grande Circo Místico, inspirado na obra de Jorge de Lima. No elenco, Vincent CasselJesuíta BarbosaMariana Ximenes e Antônio Fagundes. Nesta entrevista, Cacá fala sobre a crítica que recebeu de um bandido durante um assalto em casa e desmistifica a aura sexual de sua figura em um set de filmagens. “O diretor é o que menos namora”, diz, recolocando os óculos.
QUEM:  De onde veio a necessidade de pôr num livro suas memórias de vida?
CACÁ DIEGUES: As histórias da minha geração são contadas por terceiros, não há livros de memórias em primeira pessoa. Procurei fazer algo que não fosse só autobiográfico, mas que traduzisse o que eu vi e vivi no cinema brasileiro nas últimas décadas.
QUEM:  Onde o senhor se coloca na história do cinema nacional?
CD:
 Onde você quiser que eu fique. Não faço questão de um lugar à janela (risos). Não tenho a pretensão de organizar o mundo à minha imagem e semelhança. Faço o que meu coração diz para eu fazer.
QUEM:  Reformulando então a pergunta: como gostaria de ser lembrado pelas futuras gerações?
CD: 
Ah, isso é mais sério (risos). Quero ser lembrado como um bom cineasta, que tenha ajudado as outras pessoas de alguma maneira.
É a pior lembrança do mundo viver fora do meu país. Passei a maior parte do meu exílio na França e um pouco na Itália. É a sensação de estar castrado"
QUEM:  Fazer cinema significa fazer mais amigos ou inimigos?
CD:
 Você faz um filme para ser mais amado, não tenho dúvidas disso. Cada filme é um pedido de amor que se lança ao outro. Meus grandes amigos são todos do cinema. Mas muita gente não gosta de mim, não dá para agradar a todos. Não sei lidar com a crítica. Não faço dela uma referência a qual vou me submeter, até porque já vi mais cinema do que todos os críticos juntos.
QUEM:  Qual foi a maior crítica que já recebeu?
CD: 
Eu estava separado da Nara Leão e ainda não havia conhecido a Renata, com quem estou até hoje. Ouvi a campainha tocar às 7h30 e não atendi, fiquei deitado no quarto. De repente, fui abordado por uns caras que invadiram a minha casa. Fui amarrado com um cinto de bruços na cama e começaram a roubar tudo. Na época, estavam popularizando o VHS, e tinha vários desses em casa. Perguntaram o que era aquilo. Falei que fazia cinema. Queriam saber que tipo de filme. Falei: “Bye Bye Brasil”. E eles: “Ah, aquele com Beth Faria e José Wilker. É ótimo! A gente gostou”. Ufa, meu bandido gostou do filme. Sabe-se lá o que faria se não tivesse gostado (risos)!
QUEM:  O senhor conta no livro que era muito confundido com Glauber Rocha.
CD:
 Quando eu tinha cabelo me confundiam, sim, éramos relativamente parecidos (risos). Mas não era um problema para mim, imagina!
QUEM:  Xica da Silva pode ser considerada sua obra-prima?
CD: 
É muito difícil falar isso. Xica foi um clímax. Mas o melhor momento da minha carreira foi quando encontrei o grupo que faria o Cinema Novo. Aos 17 anos, passei a conhecer rapazes da mesma geração, com o igual sonho de fazer um cinema diferente. Ali estava o início do Cinema Novo. Aquele período foi uma bênção que o destino me deu para eu começar minha vida.
Editora Globo (Foto: Editora Globo)
QUEM:  Do que sente mais saudade dessa época?
CD:
 Tenho bastante saudade do Glauber até hoje. Ele foi a pessoa mais interessante que conheci na vida. Era um pensador inovador e ousado, um amigo eterno, generoso, a quem devo muito. Eu o conheci aos 18 anos e nós convivemos intensamente.
QUEM:  Há uma aura sexual que envolve os diretores de cinema. Que olhar o senhor tem sobre isso?
CD:
 É para falar a verdade? O diretor é o que menos namora num set. Minha teoria maluca é a seguinte: quando você sai para filmar, é reproduzida a estrutura familiar. O diretor é tratado como uma mãe. O produtor é o pai, que provê os recursos para que as coisas andem; a equipe técnica, a prole masculina; e o elenco, a prole feminina. Essa teoria nunca falhou (risos).
QUEM:  Como assim?
CD: 
O diretor é a personagem de seios enormes, que protege, cuida. Ninguém quer namorar sua mãe. Os namoros acontecem na prole.
QUEM:  Recebe muitos pedidos de atores para fazer seus filmes?
CD: 
Eu mesmo escolho meus atores. Quando quero trabalhar com determinado artista, eu mesmo vou lá falar com ele. Faço testes para arranjar o melhor papel para cada um. O assédio, pedido de testes, não considero anormal. Ator de cinema é isso mesmo, manda currículo, lembra que está vivo.
Não sei lidar com a crítica. Não faço dela uma referência a qual vou me submeter, até porque já vi mais cinema do que todos os críticos juntos"
QUEM:  Segundo seus próprios números, o cinema nacional tem ocupado 20% das salas no país.
A qualidade dos filmes acompanhou a quantidade?
CD: 
Nenhuma cinematografia mundial é feita somente com filmes bons. Hoje, por exemplo, os Estados Unidos produzem 600 filmes de estúdio por ano. Me diz: há 600 filmes maravilhosos feitos pelos americanos todo ano? Duvido. Na verdade quem escolhe que cinema será feito é o público. Claro, nós não somos obrigados a seguir a opinião do povo. Até porque os filmes que mudam a história da cinematografia são aqueles que o público ainda não sabe que quer ver.
QUEM:  Qual memória marcante o senhor traz do período no exílio?
CD:
 É a pior lembrança do mundo viver fora do meu país (1969-1972). Passei a maior parte do meu exílio na França e um pouco na Itália. Paris é uma cidade incrível, mas o problema não é onde você está, e sim aonde você não pode ir. É a sensação de estar castrado, mesmo estando num paraíso como Paris. Estava casado com Nara, tivemos nossa primeira filha fora do país.
QUEM:  Seu casamento com Nara lhe trouxe contato com a turma da Bossa Nova?
CD: 
Não, já éramos uma turma só frequentando o mesmo posto da praia. Uma mesma geração de música, poesia, teatro. Conhecia a Nara dez anos antes de começar a namorá-la. A turma da Bossa Nova era muito próxima. Fiz um curta no qual o montador era o Ruy Guerra, que namorava a Nara, antes de eu pensar em me casar com ela – só para citar um exemplo.
QUEM:  Quem é o maior diretor brasileiro da atualidade?
CD: 
Walter Salles é um grande cineasta que faz bons filmes e, ao mesmo tempo, tem profunda consciência do que serve o cinema. Um filme precisa entreter, fazer pensar e encantar.
QUEM:  Com que regularidade o senhor vai ao cinema?
CD: 
Vou confessar uma coisa que não costumo dizer por vergonha: vejo filme em casa. Já vi muitos no cinema. Mas está mais cansativo ir a shopping. Baixo filmes na internet, vejo na TV, recebo muitos outros para opinar...
Editora Globo (Foto: Editora Globo)

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