AGENDA CULTURAL

21.8.10

Procurando chifres

Hélio Consolaro*


Reportagem retirada do http://videolog.uol.com.br/video.php?id=385179
Não se trata de Natalino Mateus Fernandes

Há uma pessoa em Araçatuba que vive procurando chifres, mas ele os procura em lugar certo: em cabeça de bovinos, porque só os parvos procuram chifres em cabeça de cavalo. Essa pessoa não se interessa em cornear ninguém. Ela quer chifres mesmo, no sentido denotativo da palavra.

Fiquei sabendo por gente de Barretos-SP, envolvida na organização da Festa do Peão, que Araçatuba tem o melhor fabricante de berrantes do Brasil. Ele não é nenhum chifre de cabra. O informante só me disse o prenome dela e o bairro (Hilda Mandarino) e uma referência: perto da caixa d’água. Por favor, caro leitor, não estou aqui a pondo o Sr. Natal nos chifres da Lua.

Como o prefeito Cido Sério (PT) tem se empenhado em revigorar a cultura tropeira em Araçatuba, juntamente com a professora Cláudia Colli e o Sindicato Rural da Alta Noroeste (Siran), fui pessoalmente à procura do Sr. Natal (Natalino Mateus Fernandes, rua Vicente de Carvalho, 1647). Encontrei um cinquentão com seu ateliê que funciona num galpão do terreno de sua residência, tudo muito simples. Fundo de quintal.

– Encontrar chifre está difícil, Seu Hélio! Os bois estão sendo mortos com pouca idade. Sumiram os bois carreiros, que envelheciam no pasto. Além disso, estão mochando as reses para que a engorda não seja atrapalhada, disse o Sr. Natal.

A saída, segundo ele, é fazer berrante, usando vários chifres, emendando um ao outro. Atualmente, a raça guzerá é o gado que tem os maiores chifres.

Como sou do chifre furado, fiz-lhe uma proposta:

- Que tal, Sr. Natal, a partir de 2011, a Secretaria Municipal da Cultura promover uma oficina de “Como fazer berrante” para que o senhor passe essa tradição pra frente?

O sorriso estampou no rosto dele. Gostou.

O berrante surgiu há mais de três séculos, com o tropeirismo. O instrumento tinha a função de ajudar os tropeiros a agrupar os animais. Os primeiros eram feitos de chifre de boi pedreiro, antiga raça surgida em meados de 1910, cujos chifres chegavam até a 1,50m de comprimento, seu som era bastante grave.

Em seguida, surgiram os berrantes com anéis de prata, suas bocas mediam até 40 cm, eram utilizados para chamar vacas e bois. O som de um berrante, no silêncio do sertão, pode ser ouvido a 3 km de distância. Berranteiro é o tocador de berrante.

Atualmente, os berrantes decoram casas, estabelecimentos comerciais. Durante a festa da “Queima do Alho”, um jeito tropeiro de fazer comida, cada comitiva tem o seu berranteiro. É uma festa muito bonita. No Recinto de Exposições Clibas de Almeida Prado, em parceria com o Siran, a prefeitura constrói o Ponto do Peão, para que as novas gerações conheçam como era viver antigamente, tocando boiadas pelas estradas.

Em Araçatuba, participar de comitiva, se vestir de boiadeiro, fazer a queima do alho está se tornando um passatempo que ressuscita nossas tradições culturais. O berrante não tem futuro, mas precisamos reconstruí-lo, para que entendamos melhor o presente. Conservar as tradições sem rechaçar o novo é sinal de inteligência.

Hélio Consolaro é professsor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba-SP

3 comentários:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Muito bom mesmo; fico mais contente por ser filho de um dono de comitiva.Lá pros anos quarenta, meu pai ficava muito tempo viajando pelo sertao de Mato Grosso em busca de boiada para ser trazida para Araçatuba e aqui embarcar para Sampa. Secesso para o empreendimento.

Joyce Correia disse...

Caro Hélio, gosto das coisas da terra. Como disse o Mário Prata, em recente entrevista à Folha da Região, "o interior é um estado de espírito"´. Nunca se está no interior e sim se é dele. Mesmo que se viva no Alaska, num iglú, mas se vc nasceu no interior, sempre será de lá. É uma questão não de geografia, mas sim de identidade. Que bom que há pessoas como o sr. Natal. Demos vivas aos caipiras!!!!
Abraços repletos de respeito, Joyce

Patrícia Bracale disse...

Eita, caipira do mato e com cultura.
Valeu a aula.